#3 da coleção "Filosofia ao Minuto", do Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. O texto de Mário Santiago de Carvalho segue abaixo na íntegra:
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CLARITAS: O NÍTIDO ESPLENDOR
De acordo com o teólogo Tomás de Aquino, três características determinantes conformam a beleza: “integritas”, “consonantia” e “claritas”.
A primeira – “integridade” ou “perfeição” – diz respeito à totalidade do objeto na sua absoluta unidade. A segunda – “harmonia” ou “proporção” – consubstancia-se na relação analógica da forma com a matéria. Mas: o que dizer da “claritas”?
Na Suma de Teologia, a teoria neoplatónica da luz inteligível e o conhecimento que Aquino teve de Aristóteles intersetam-se para a definição de “claritas”. Tal é patente nos diálogos do teólogo com Pseudo-Dionísio, Agostinho, Grosseteste e Alberto Magno.
Todavia, o século XIII não foi sensível ao que hoje se chama “estética”. Se, então, a integridade e a proporção da forma preponderavam, a estética moderna atende antes à matéria, valoriza a materialidade do objeto, as suas qualidades secundárias.
Em Retrato do Artista Quando Jovem, James Joyce identificou a “claritas” com o esplendor captado num objeto, irradiante de luminosidade. Para si, claridade é o modo próprio do artista aceder à beleza.
Desta feita, “claritas” anuncia a revolução copernicana da estética ocidental: além do objeto, importa o sujeito que percebe clara e nitidamente, lux et splendor.
Mas porque o teólogo nunca dissociou “claritas” de “quiditas” - aquilo que uma coisa é - essa irradiação não é descritível meramente nos termos da psicologia da perceção, nem nos quadros da subjetividade do artista, nem do seu génio. Um objeto assume a categoria de artístico na articulação imanente da “claritas” com a “quiditas”.
Na ontologia relacional subjacente às três características da beleza, a “claritas” confronta-nos, agora, com uma pergunta séria, que desafia a estética moderna: como se conjugam sujeito e objeto?
Responderei assumindo que um objeto estético irradia a claridade da sua nitidez.
A “claritas” é a nitidez da verdade.
É da verdade dos materiais (a cor numa tela, o som numa composição),
e da verdade da produção artística (a relação dialética entre o artesão e a sua matéria),
que resulta a fulguração do nítido esplendor.
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Pode aceder à página da coleção in https://www.uc.pt/fluc/uidief/Pub/Filosofia_ao_Minuto